quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Galerias corriqueiras e urbanizadas de uma nova Arte

Não é muito dificil entender, por que uma das grandes preocupações da arte contemporânea é fazer um resgate humano do indivíduo. A brutalização fugiu ao conceito de “massa” e atingiu a classe média. Em meio ao caos instaurado na civilização deste hemisfério, pendente entre o consumo infindável e a correta politização do novo discurso Ocidental, vale sempre tentar entender todas as pontas desta estrela (de)cadente. Assim, nada mais pode nos surpreender: A Arte saiu das galerias e finalmente chegou às ruas – infelizmente não por um fator da democratização do acesso a própria Arte, mas por uma necessidade de sobrevivência da raça humana. Ou isso, ou os que tem o poder do extermínio em massa, vão implementar a política da erradicação das minorias – podemos chamar isto, por um certo ângulo, de “ditadura da maioria” e este é seu aspecto mais conhecido: Sua tentativa de se manter homogênea.
Em pleno 2006, com mp3s e mp4s a desfilar por aí, a coisa que mais assusta as pessoas é a insegurança; Não a insegurança das centenas de milhares de pessoas que trafegam pelos EUA com ships implantados por debaixo da pele, nem a insegurança das dezenas de satélites que diariamente nos vigiam e seguem, mas a insegurança da própria insegurança; Ficar sem o celular por alguns momentos pode significar o fim para alguns. Na última bienal de SP, Marcelo Cidade, desenvolveu uma obra interativa: Ficou munido de um bloqueador de chamadas na mochila e andou por dentre os transeuntes que visitavam o Ibirapuera. O resultado pode ser considerado uma espécie de “caos organizado”: Ninguém entrou em pânico, mas houve desconforto generalizado, disseminação do medo constante do que fazer sem o aparelhinho que se faz parecer necessário. Enquanto isso, no térreo Laura Lima colocou sua “boutique” com roupas de plástico. Poderíamos ter criado uma discussão que se prolonga através da (anti)obra de Cidade: Para que as coisas servem? Para que são criados os utensílios? Quem manda em quem afinal?
Buenas: Se podemos fazer um gancho com a obra de Marcelo Cidade diante da funcionalidade real das criações humanas, podemos fazê-lo também com a criação de Laura Lima em um aspecto ampliado. As roupas de plático de Lima não tem modelitos rígidos; As pessoas não tem de se adaptar à elas. A função das roupas não é fazer com que os corpos se adaptem à elas, mas sim, criar maneiras de que possam se adaptar aos corpos. A verdadeira democracia ampliada: Todos podem vestir roupas que se alongam, ou que se tornam constritas. Mais do que isso: A roupa de plástico é utilizável, bastante econômica, mas também descartável. Ela pode ser descartada.
Eis então que surge a discussão da funcionalidade. A Arte trava essa discussão desde que resolveu por os pés fora das galerias. Para tal, o Design e a arquitetura ganharam novas dimensões: Democratizaram sua linguagem sem se tornar populares a ponto de perderem referencias estéticas e eruditas. Não adianta desenvolvermos novas vigas de aço, para novos edifícios, com novos padrões arquitetônicos se isso não chegará a ninguém. Ainda que aqui a discussão de “Classes” ou da “luta” que se refere as mesmas seja pertinente, não vamos abrir o link. O que interessa, é que esta construção tenha padrões estéticos, no mínimo, aceitáveis. A procura da beleza não se distancia da busca famigerada pela funcionalidade extremada de tudo que é produzido. Assim, podemos criar objetos que nos proporcionam “prazer estético”, mas também que sirvam para desenvolver algum trabalho no quotidiano, ou vice-versa (o que é mais aceitável dizer). O exemplo disso, está na criação de Brasília. Enquanto Lúcio Costa conseguiu a façanha de criar uma paisagem Urbana “Saudável”, com parques e amplas vias de acesso, Nyemeier, Comunista convicto, planejou uma série de edifícios e construções que se tornam democráticas não somente pela facilidade ao qual se chega a elas por rampas e enormes portões, mas pelo desenho arrojado que pode encantar multidões, e assim se tornar objeto de prazer aos que ali vivem. Esta é a funcionalidade real do que criamos: Que nos gere prazer. Não um prazer hediondo, ou um simples momento hedonista, mas um prazer que se refere ao bem-estar para se construir algo e edificar uma nova mentalidade (e não estamos tratando da Arte Construtivista, ainda que o Link esteja aberto). O Instituto Bauhaus propôs a edificação através da Arte com democracia através da Arte: assim, amplas janelas, vitrôs e portas eram usados em doses nada homeopáticas nas construções alemãs deste período da década de 1930, proporcionando casas arejadas, claras e abertas onde pessoas não precisassem esconder suas convicções e idéias. Mais do que isso, antes mesmo da conduta revisionista que temos diante do processo histórico a tratar do artesanato e da chamada Arte Popular (conceito que vem se modernizando e efetuando como Escola para que possamos entender artistas sem formação que não sejam Naifs, nem simples artesãos), Walter Gropius já propunha que artesãos e artistas trabalhassem juntos num modelo de produção amplo e acessível. É a Arte que nega a Arte aristocrática. Não nega a galeria, pois a galeria é um fator agrupante, que serve ao intuito da convivência e de se tornar funcional quando agrupa e não seleciona, mas abre espaço para que a Arte seja realmente democrática, aberta, e claro, funcional.
Assim, quando a Bienal de SP, em sua 27ª edição tomou a decisão de ser mais politicamente correta do que estética em si, ela retomou um lado controverso da Arte; A Arte panfletária se tornou um peso; Um óleo reutilizado na gordura saturada, mas de fato, o que se notou é que a Arte sem compromisso algum é bem pior: Ninguém mais agüenta o risco de se ter uma arte vazia, comercial, que atenda somente aos interesses de novos mecenas, que a seu propósitos, por serem grandes empresários não queiram mesmo discutir questões sociais. Ninguém também agüentaria uma arte comandada pelo “Partidão”. Os Grandes artistas do nosso século, mesmo os mais engajados não agüentaram o regime de “Centralismo democrático” implementado pelo Partido Comunista Tradicional. Picasso, o homem que tentou teorizar através da arte a Guerra Civil espanhola, e seus horrores em “Guernica”, acabou por se afastar deste controle. Talvez tenha sido a Pop Art a mais suscetível a obter este tipo de êxito: Ela não era politizada “de fato”, mas discutiu questões extremamente inseridas no contexto político (consumo, meio ambiente, personalismo), sem se tornar politicamente correta, e sem deixar de ser extremamente atraente ao grande público (daí a própria denominação que recebera). Ela se tornara democrática porque inserira seus expectadores em temáticas extremamente corriqueiras: Os ícones pop, o consumo em demasia de certos produtos que são quase signos, os móveis e eletrodomésticos quase que “Kitchs”. Não há quem não tenha visto algo que a pop Art não tenha discutido. Como diria Andy Wahrol, “todos serão famosos por pelo menos 15 minutos no futuro”.
Assim, em 2006, a Arte toma o rumo que a mantem viva e acessível. Se por um lado, o medo de Oscar wilde era “tornar a arte popular”, por outro, sua proposta era “tornar artista o público”. Se formos ver as três grandes teorias de compreensão da Arte (Imitativa, expressionista e forma significante) notaremos que hoje podemos formar uma teia de significados, ainda que na Arte ela só se signifique ela mesma, e se permita a emitir conceitos; A Arte popular (termo já citado) remonta o prosaico, o mobiliário da formação humana antes da compreensão da estética; A teoria expressionista mostra que realmente o artista enseja em passar algo, a transmitir algo, codificar a transmitir mensagens em série para que o público possa consumir essa teia de conceituações que ele forma subjetivamente; Por fim, a Teoria de Forma Significante abre um leque ao qual o artista é livre: Tão livre que não precisa tentar transmitir mais nada. A função da transmissão, ou da recepção das mensagens emitidas é de responsabilidade do expectador (público). Assim, isso dependerá da sua sensibilidade para com o objeto estético. Ainda assim, esta teoria nos permite uma observação já feita anteriormente por críticos especialistas em Arte: Se uma pessoa não sente nada ao ver uma obra, segundo esta teoria ela é insensível. Mas o termo “Insensível” é por demais determinista; O mesmo “insensível” para com a Arte pode tratar de animais doentes, se emocionar para com a pobreza e a miséria, amar de forma pura e inocente uma outra pessoa; Melhor: Pode não compreender as obras expostas em uma galeria, mas pode manter um grande interesse em visitar galerias e procurar entender tais obras que ele não entende, pois de fato não povoam seu imaginário. Assim, dizer que todo artista quer transmitir algo (teoria expressionista) é bastante utópico, porém deixar de analisar uma obra, pois tal analise é definitivamente subjetiva, é lavar as mãos e destituir o potencial educativo da própria arte. A Arte que se tem hoje é multi-facial: Nós temos ainda grandes artistas de teor clássico guiando grandes mostras (Arquivos imensos de Cézanne, Picasso, Matisse, Miro, Dalli, Frida Kallo), mas temos grandes mestres vivos girando e estudando o mundo (Leon Ferrari, Saraceno), e um grande número de artistas que trabalham com linguagens modernas, atuais, de fácil acesso (Minerva Cuevas, Guy Tillim, Dan Grahan), além de grandes nomes do circuito contemporâneo (Doris Salcedo, Ron Mueck, Debora butterfield, Christo, Anish Kapoor, Richard Serra), que tratam de questões dos mais diversos temas, mas sendo extremamente acessíveis ao grande público. Nós não temos mais Berni, nem Orozco, nem Rivera, mas temos uma arte que ainda é social, de caráter político, humanista e que permite um canal ao que se tratava no inicio deste texto: Evitar a brutalização; resgatar os que já estão em caminho de total obliteração. A Arte passa a ter uma responsabilidade colossal: Ela vai às ruas, se insere no quotidiano, e passa a fazer parte de um novo tipo de repertório imagético; Assim, devemos lembrar das obras imensas, colocadas por Richard Serra em meio a cidades extremamente populosas; Em meio a correria, ao dia-a-dia, a falta de perspectivas, a ausência de uma sensibilidade mais exacerbada, surgem obras de arte; Elas denotam expressões novas no meio, negam o espaço antigo, ao mesmo tempo que não o destroem – o realçam! Assim, trabalhos como os desenvolvidos pelo Concretista Amílcar de Castro na década de 1950, poderiam se tornar peças corriqueiras da labuta diária das populações. Expostos em viadutos, fixados em praças, confeccionados para centros de trânsito intenso, eles envolvem a paisagem, chamam para si destaque, conseguem desenvolver algum tipo de sensibilização. Uma atividade, indireta, de Arte-sensibilização. Já que não podemos levar milhões de pessoas a consultórios para atividades Arte-terápicas ao estilo Lygia Clark, podemos antes de tudo, tocá-las no eixo do dia, na cárdia do quotidiano. Para tal, chegou-se a um momento único, e bastante importante, onde a Arte se viu obrigada a partir para a discussão dos fatos diários. Para muitos, o que se tem hoje não é Arte. Mas devemos fazer uma abordagem simplista e obvia: Os grandes artistas que compõe o período de maior relevância para a História das Artes Visuais, calcaram-se em obras que por um aspecto ou outro, designavam particularidades deste período: Bruegel, em seus quadros, retratava costumes e conflitos do Século XVII que compunham a vida dos Europeus; Courbet e Daumier, ambos franceses do Século XIX, cristalizaram na pintura realista um quadro de miséria dos homens que estavam a margem de uma sociedade que saira das monarquias, mas passara ao domínio dos valores burgueses; A Cubana Ana Mendieta, em pleno Século XX travou uma batalha em nome dos massacres cometidos por sobre os indígenas de sua terra, quando da chegada dos espanhóis ao Continente, fazendo um translado para a realidade do período atual: Massacre de mulheres, homossexuais, tentativa de extermínio das minorias; Não parece, então obvio, que a Arte atual tenha sim que firmar projetos com o seu tempo, de acordo com a sua realidade temporal? Não devemos, então, estranhar o uso de mídias eletrônicas, de vídeo-instalações, de paisagens que denotam favelas e “estoques de gente”, nem instalações com fotos de lesões corporais e violência gratuíta. Este é o nosso tempo! Ligue a TV, leia a última página do jornal, acesse a Internet, visite os subúrbios, use os banheiros públicos, passeie pelos logradouros das zonas de prostituição. Está tudo aí. Seria estranho, de fato, não esteticamente falando, mas cronologicamente discutindo, termos uma série de obras explorando os períodos mágicos do Barroco brasileiro (Português, Joanino, Rococó), enquanto nas favelas existe uma guerra civil não declarada, um poder paralelo onipresente, um senso de ética e compromisso social que a “ponderação” da sociedade democrática não garantiu com suas instituições. Assim, parece mais do que obvio que Maverick de Ogum tenha ganho o status de Artista popular: Ele está no Centro do furacão, sendo poupado dos destroços no momento, mas bastante ferido pela miséria e pelo consumo que o transformaram em catador de lixo, e respectivamente, em artista: Sua carrocinha (instalação por sobre seu objeto de trabalho) é um amontoado de “coisas descartáveis”, que perderam o valor dentro do que se considera “funcionalidade”: Bonecas velhas, celulares aposentados com tecnologia obsoleta, relógios de pulso com vistosas pulseiras que escorrem pelo braço... Se estamos vivendo um período de “convulsão social” e “mudança histórica”, é obvio que tenhamos que deixar isto na nossa história. O estudante de Artes Visuais, o professor de Artes Visuais, o crítico e o admirados das Artes em geral, tem obrigação redobrada de entender isto: Passamos por um período de transição histórica, crise ética, reavaliação de valores, de consumo em demasia e degradação ambiental cavalgante. Se a Arte não empunhar a bandeira da discussão, pouco se espera que outra área o fará. Esta é a função social da Arte.
Fabiano – Março de 2007.

Um comentário:

Rosali Alves - Desenhista disse...
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