sábado, 9 de maio de 2009

Esperanças mil pelo Brasil



Eu escrevo direto no computador, mas gosto da caneta e do papel. Gosto do rabisco. Deves conhecer as minhas manias. Uma delas é, de fato, o alto de número de frases dispersas pelo caderno. E esse caderno fica repleto de anotações, datas, nomes, números de telefone, endereços, dados desconexos e frases dispersas, adornadas por desenhos e pinturas por todos os cantos. Eu gostaria de ser um ser humano melhor, mais sensível e sensato, mas essa é a qualidade que não queria perder em mim: produzir Arte por todo o tempo disponível e possível.
Esse país é muito rico. Por muito tempo, troquei cartas e mais cartas e mais cartas com pessoas de todos os cantos. Todas elas me contavam coisas incríveis sobre o Brasil que eu ainda não tinha visitado. Depois, visitei muitos lugares e uma imensidão de lugares ficou faltando. A maioria, sequer vou conhecer. O Brasil é um continente. Talvez de suseranos (há quem diga que houve o sistema Feudal por aqui), talvez de vassalos (há quem diga que está no nosso DNA), talvez de brasileiros mesmo. Na verdade, o Brasil é lindo por não ter identidade. A nossa antropofagia cultural é extremamente sedutora. O que se chama de identidade brasileira é na verdade, um acúmulo de várias facetas. Isso tudo, compilado pela inteligência de Getúlio Vargas. Foi o Estado Novo e a complicada década de 30 que nos deram o recado: Ou vocês se somam e se tornam uma nação ou não serão nada, perdendo os pedaços pelo tempo. Gilberto Freyre já havia dito tudo isso.
Essa euforia Global de sermos unidos é uma bela arma. Existem dois países e nisso está a grande mão do Governo Lula: O Brasil que come e o Brasil que tem fome. Não há como nega-los. A luta de classes é um sintomático de nossa colonização européia. Os portugueses deixaram bem claro que existiam duas categorias nesse país continental: Uma, construída por eles mesmos; a outra, um misto de negros, índios e brancos pobres. Nisso se desenvolveram nossa agricultura de exportação, nossa fuga de metais, nosso subdesenvolvimento econômico. Com o país repleto de escravos e índios marginalizados, além de brancos pobres famintos, não havia mercado consumidor. Os portugueses trataram de nos manter em estado letárgico na economia. Talvez o nosso marxismo soviético seja fruto de um atraso como um todo. Nossos liberais chegaram muito depois, nossa idéia inicial de democracia quase não veio. Num país tão rico de matéria prima, tão lindo (e eu não me acho ufanista), mas tão pobre e miserável, somente a teoria marxista pode vingar. Capitalismo num país descapitalizado? Precisamos da estatização da economia, do sistema financeiro, das reformas urbana e agrária. Temos de manter a propriedade individual e a privada mínima: Somente pequenos negócios, micro-micro empresas. O restante, negociado pelo Estado. Num país que produz 15% da comida do mundo, deixar que os latifundiários exportem o excedente, enquanto 1/3 da população não faz as três refeições diárias é uma sandice econômica, e um crime ético. A prova de nosso liberalismo burro e de nosso capitalismo entreguista está nesse dado: Enquanto a Vale do Rio Doce é a maior empresa de minérios do mundo e o Itaú Bamerindus está entre os 20 maiores bancos do planeta, nossa descentralização de renda é a 3ª pior, junto a países subdesenvolvidos do continente africano. Contra fatos não há argumentos.
Já dizia Oswald de Andrade: Há muito sol por aí, por todos os cantos. Que dúvidas restam que podemos decretar nossa independência econômica? Estamos sim, atados ao FMI, ao mercado internacional. Mas isso não é impossível de ser feito. Vai nos dar muito trabalho. A Direita brasileira vai rezar por uma quebradeira total no país. Mas não há outra saída. Nossos usineiros, banqueiros e latifundiários são uma prova do sistema ultrapassado que temos, até para o padrão de desenvolvimento capitalista. Até os liberais que clamam por uma democracia de liberdades individuais não toleraram o senado dado à Sarney e a Collor. Nenhuma democracia madura pode tolerar que Ernesto Dornelles, Jarbas Passarinho e Delfin Netto ainda sejam eleitos e reeleitos. Não há explicação lógica para a união entre PT e PP no congresso, para os ministérios dados ao PMDB, para a privatização dos aeroportos em SP. Na verdade não há lógica alguma em nada disso. Habermas estaria possuído de raiva com toda essa política enfadonha. Um senado que deixa sua ética ser respondida por um ex-presidente como Fernando Collor, não está nos levando a sério.
Nós não precisaríamos de nada disso: Jorge Amado, Rubem Valentin, Décio Freitas, Caio Fernando Abreu, Jards Macalé. Temos tudo isso por aqui. Que falta faz a neve? Agüentar a Xuxa promovendo o Helloween é de uma decrepitude sem igual. Agüenta-la como rainha dos baixinhos não tem uma explicação viável. O ministério da Saúde adverte: Xuxa faz mal para o cérebro e para o estômago do seu filho. Ainda bem que coisas como ela, Eliana e Angélica estão mais tempo fora do que no ar.
Só nos resta escutar o novo disco do TSOL: Nada mais californiano. Nossa doce antropofagia cultural. Quem de nós resiste àquela bateria e aqueles climas crus das noites dos anos 80 e 90? Quem sabe, num dia muito quente, uma Coca. Isso não mata, mas também não deve ser hábito. Qualquer pessoa ponderada pode beber uma Coca vez em quando. Talvez um dia eu te escreva para mandar boas novas e dizer que continua calor por aqui. E aí? Sempre neva e é sempre véspera de Natal? Aqui nós suamos e desfrutamos do buraco na camada de ozônio – Quem sabe, com as ressalvas do Século 21, não é esse o sol que tanto nos falava Oswald de Andrade.

Fabiano da Costa, 7 de março de 2009.

Lula e os brancos de olhos azuis.



Em meio a crise mundial e ao quebra-quebra dos banqueiros de Wall Street, Lula não se conteve e disse o que nós, latino-americanos “sem dinheiro no banco e sem parentes importantes”, pensam e confabulam na padaria: A crise foi gerada pelos brancos de olhos azuis. Os brancos de olhos azuis genuínos, não se importaram: Estão sossegados, escondendo o que ganharam na especulação financeira. Os nossos “brancos de olhos azuis”, por outro lado, geraram uma cruzada anti-racial. Os da Rede Globo por exemplo, chegaram a ponto de localizar dois funcionários negros entre os grandes bancos norte-americanos. Acusaram Lula de racismo, de preconceito, de tocar num assunto tão pesado, ocupando uma posição tão sensível. Sim, os brancos da Rede Globo que adoram um negro na novela, mas sempre transitando entre o servir cafezinho e ser a amiga conselheira da Vera Fisher se ofenderam. Democracia racial Global.
Em Wall Street, os brancos de olhos azuis não se ofenderam, por que para eles isso é a profissão de fé do mercado. Sua crença no Destino Manifesto, calcada em Weber e sua ética protestante no espírito do Capitalismo, são tão redundantes que discutir democracia racial é perda de tempo (e de dinheiro). Os imigrantes ingleses radicados nos EUA nunca pensaram em democracia racial e sim, em manter os negros nas lavouras de algodão, e os índios, abaixo da terra. Em 1861, Abraham Lincoln deixou claro que o desenvolvimento e o progresso dos EUA não estavam, obrigatoriamente, atados a causa abolicionista. O presidente Abe nunca pensou na abolição como justiça, mas sim, como enfraquecimento nevrálgico dos produtores do Sul, já que perdiam sua mão de obra barata. Lincoln é tido por brancos de olhos azuis e por negros dos EUA como um apaziguador, não como militante do abolicionismo.
Nenhum de nós nunca encontrou um banqueiro de Wall Street, mas sabe perfeitamente, que nenhum deles é negro, índio, xicano, ou que é uma mulher negra. Esses conceitos de radicalidade estão muito claros. O moralismo da Rede Globo tenta disfarçar uma obviedade que é o alto teor de preconceito na economia. Por um lado, os países colonizados da África, Ásia e América, com populações de “brancos puros” bastante restritas, se mantêm periféricos e sub-desenvolvidos. Por outro, nos EUA, a população de negros é enorme, mas ocupando cargos subalternos. No Brasil, os brancos pobres, juntamente com indígenas e negros, foram excluídos do desenvolvimento econômico, a ponto dos 5% mais ricos do país (brancos!) deterem consigo, metade da renda nacional. Não há dúvida, de que a afirmação de Lula é verdadeira. Popular, por um lado, científica por outro, mas verdadeira.
Não é incomum se enxergar o “normal” como homem branco e heterossexual. É um pouco do American Way of life. Também não é estranho, adotar a visão ingênua de que os anjos são sim, brancos e com cabelos cacheados (fruto do paganismo Greco-romano e do Renascentismo). Tudo isso, é um retrato do racismo cultural que nos move, mesmo que não saibamos e não notemos, e mesmo que as vezes, não tenhamos sequer consciência disso. A beleza dos olhos azuis e verde é encantadora e não há nada demais nisso, mas deve-se questionar por que os símbolos de beleza são sempre europeus. Não há referencial de beleza indígena ou negróide. A própria história da Arte é a história da Arte européia e dos seus juízos de valor. Era dessa forma em 1540, e funciona assim em 2009. Lula, portanto, faz a defesa da sua classe, o que é normal e corriqueiro em situações limítrofes. O próprio Pefelista Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo declarou à Carta Capital, em novembro de 2007: Somos fruto da mesquinhez da nossa elite branca. Seja no Brasil, ou nos EUA, o racismo é evidente. No Brasil, entretanto, a Globo já achou a sua solução: Ficar em silêncio até que o passado se esvaia e esqueçamos de nos olhar no espelho.

Fabiano da Costa, 1º de abril de 2009.

Luis Mauro Vianna numa feira de livros.

Eu encontrei o Luis Mauro Vianna numa feira de livros. Eu, com muitos livros na cabeça e pouco dinheiro para adquiri-los e o Luis Mauro com aquele sorriso tímido e um monte de saídas geniais nas frases. Aliás, é de autoria do Luis Mauro umas das frases mais dramáticas que já li nessa cidade onde sopra o nordeste e as pessoas enlouquecem de repente: Vou morrer e nem sei teu nome. Toda vez que o encontro, sinto vontade de lamentar algumas coisas, por que ele é um talento desperdiçado. Enquanto a grande mídia nos empurra um monte de lixo cultural, porcarias construídas e disseminadas para controlar e punir nossa cabeça burra, o Luis Mauro insiste em viver de cultura. Merece morrer de fome mesmo.
Provavelmente o Luis Mauro vá ficar no exílio mais um tempo. Não há como voltar. Se voltar, fica como o Everton Cosme ou morre por aí, sem deixar saudades na tela da RBS, como o Poeta pobre. Ou fica num canto qualquer, a imaginar a definição das utopias como o José Paulo Nobre. Não adianta. Aqui, assim que o sol se desentoca, cedinho, seja na Arte ou seja na mídia, a gente aprende que gente não foi feita pra ler, muito menos pra escrever. Gente é feita para ficar quieta, acreditando que o rádio diz a verdade e se não diz, é por que não existe. Eu lamento, Luis.
Nós estávamos por aqui há algum tempo. Foram caravelas a aportar nessa terra e depois os índios foram tombando em efeito dominó. Ninguém sabe o que aconteceu com os índios e ninguém pergunta. Eu me resumo, a saber, sobre o José que por aqui aportou e trouxe os horrores da Coroa. E fiquei quieto atrás das pedras a ver o terror vindo da Europa. Quando aprendi a falar, logo perdi o emprego. É só uma questão de tempo, até a gente sair da pobreza e ser empurrado para a miséria. Toda vez que uma nova caravela aporta, sei que o novo Senhor de Engenho empossado é igual ao anterior. É melhor ficar em silêncio. Em Rio Grande se cochicha.
Um dia, escutando a poesia do Luis Mauro, eu acabei chorando. Não tinha como não chorar, afinal nós somos testemunhas de que os senhores são sempre os mesmos. Podem ser vermelhos, ou podem ter sangue azul, mas são senhores, não adianta. Para eles, só se pode falar tendo conhecimento científico. E se tu tens, é melhor ser mudo. Não há nenhuma verdade que não possa ser construída, mudada, modificada ou manobrada pela bruxa da mídia. As vezes, fico pensando que o ser humano foi feito para ser mudo. Os senhores, são na verdade, itens de segurança para manter a paz. Ou nós tornam mudos, ou nos calam na marra. Se isso não funcionar, cortam as mãos. E se tentarmos fugir, ficamos sem os olhos e sem as pernas. O desemprego é uma maneira de nos humilhar publica e de nos calar automaticamente. Ou mais ou menos isso. Depende dos humores do mercado.
Fabiano da Costa, fevereiro de 2009.