quarta-feira, 8 de julho de 2009

A Civilização Ocidental e cristã.


No século XVII, após os espanhóis terem acabado com os índios das Américas, Hegel escreveu que o processo de colonização foi sangrento, porém necessário. Segundo ele, alguém tinha de conduzir a difícil tarefa de “levar a civilização e a liberdade cristã” aos primitivos do Novo Mundo. Hoje, com todo o aparato científico da História, Hegel é veemente criticado, até por alguns admiradores. Afinal, o gesto de exportar o modelo ocidental as “Índias” e com isso sacrificar milhões de indivíduos não passou de um descompromisso com a vida dos mesmos – Somente na Ilha de Hispañiola (Cuba), se calculam em 8 milhões de mortes decorrentes da epidemia de gripe de 1558, trazida pelos espanhóis. Vale lembrar que essa epidemia matou 10.000 europeus, ou seja, ela era fatal até aos indivíduos que já a reconheciam e muito mais aos pobres índios. Mas claro: Valeu a intenção de levar a “liberdade cristã” (a de mercado, é claro).
Com tantos comentários infelizes e confusos (chegou-se a sugestionar que eu preferiria uma colonização espanhola em vez de portuguesa), tive de recorrer a bela obra do artista plástico Leon Ferrari: “A Civilização ocidental e cristã” (1996). Ela é de fato, a melhor resposta a estupidez (completa) de dar palmas a civilização ocidental, até mesmo por que ela foi edificada sobre uma figura originalmente oriental, Jesus Cristo. Sem Cristo, não existiria o sincretismo Católico, muito menos a exportação do modelo civilizado. Haveria outro modelo, mas não esse. É simples: A idéia de civilização é greco-romana, como diz Buckhardt, sugada das ruínas do antigo Império Romano. A fusão dessa grandiosidade com a cristandade, nos deu o modelo europeu renascentista, sustentado pela burguesia ascendente e pela Igreja (leia-se o chamado “mecenato eclesiástico” de Arnold Hauser). Portanto, defender a ocidentalidade é algo confuso. Não existe ocidente, como se entende, sem o oriente. O Cristianismo e o Judaísmo, pedras fundamentais desta metade louca de mundo, são pensamentos orientais. E boa parte do cristianismo advem do zoroastrismo – também, pasmem, oriental! Como saber disso? Ora, é só ler, antes de sair defendendo algo tão estúpido quanto o chamado “Ocidente”. A pergunta que fica é: O que é Ocidente?
Não devemos esquecer: O símbolo do ocidente, é o capitalismo. E não existe por tabela, nada mais atrasado que o capitalismo. A crise econômica que levou milhões a morar em pontes nos últimos dois anos, é a prova disso. Deixar o mercado se regular, sem Estado, é no mínimo, uma sandice. O sistema capitalista é tão atrasado, que os seus maiores defensores correm ao governo nos EUA, solicitando reparações financeiras. A máxima de que o mercado se regula é um embuste. Basta enxergar o que o capitalismo provoca: Grandes contingentes de pessoas sem acesso a educação, saúde, e saneamento. Por isso, os próprios capitalistas já advogam mudanças estruturais, como segurança de crédito, e um sistema de descentralização financeira, levando o capital para países periféricos e os afastando dos trustes econômicos. Isso, há 10 anos atrás, seria impensável e mostra que os próprios capitalistas, estão reconhecendo a insegurança do que criaram. Se isso era a civilização ocidental, logo será encarado por eles mesmos, como barbárie.
Outra coisa: Marx era ocidental. Ainda que usasse o “Modo de produção asiático”, foi esse alemão, que melhor criticou o ocidente ao apontar erros estruturais na sua economia, prever crises econômicas sucessivas e o preço alto que isso sugeriria: a socialização generalizada da miséria. Mas isso, é também, problema de leitura. Se defender o ocidente, a civilização, diante do processo histórico, é não dar veracidade ao relato do Frade Bartolome de Las Casas, quando mesmo atado a cristandade contou ao Rei de Espanha, o que era a chegada ao Novo Mundo: “Usam o estupro e toda forma de coação contra os nativos”. Antes de falar qualquer coisa, é bom ler e ter fundamento. Caso contrário, fica explicito o desamor com quem sofreu, o desrespeito contra quem lê e uma falta de ética com as próprias fontes históricas.

Fabiano, 7 de julho de 2009.
Imagem: "A civilização ocidental e cristã" de Leon Ferrari, escultura em plástico, Argentina, 1996.

Arte e funcionalidade na teoria e na prática da obra.

Qualquer arqueólogo dignifica que o montante da Arte romana, é em sua demasia, o restante da Arquitetura. Os romanos também se utilizavam da pintura, mas vale lembrar que os historiadores de Arte reconhecem que o artista era uma profissão inexistente na Roma antiga. Portanto, não tínhamos arte, mas puro artesanato, concebido para enfeitar ou para servir. Não havia significância própria na Arte romana. Nisso, se reconhece em Roma uma característica: A praticidade, a criação para o ato de servir. Por isso, seus edifícios eram diferentes dos gregos. Não havia procura direta pela estética, mas pura procura pelo ato da praticidade. Quis o processo histórico, que a arquitetura de civilizações antigas passasse a ser Arte de imediato. Hoje, nem toda a Arquitetura pode ser reconhecida como tal. Essa arquitetura, a serviço do Estado diz muito sobre a política, a economia, mas tange no desenvolvimento do trabalho do artista e na linha que o separa do artesão.
Arthur Danto diz em “O limite da História e o fim da Arte”, que o artista só nasce no renascentismo. Antes disso, a produção ou é encomenda súbita, ou não há o hábito de assinar a obra. Se procurarmos em Arnold Hauser, será uma identificação básica com o medievo, que fruto de Bizâncio, a Igreja proibia a figura humana e se constrangia a produção de Arte. Assim, não se tinha o hábito de assinar a obra. Na Grécia antiga por sua vez, assim como na Mesopotâmia, já existia um conceito de Arte, mas era relegado aos arquitetos e aos escultores, e mesmo assim, os de maior vulto. Grande parte das esculturas gregas não tem autor, e as que tem, mesmo produzidas em equipe de artesãos, são creditadas a seu autor intelectual, Fídias, protegido de Péricles. Daí, até a renascença, há um lapso de 1700 anos. Não morreu a Arte nesse período, mas é evidente que a alegação de Danto, do artista sendo uma criação da renascença, é mais do que palpável. Com o advento da burguesia e da teoria de beleza, enraizada na modernidade, era natural que surgisse o artista, prova do homem livre, que pensa, executa e assina. Não a toa, quando os “modernos” adentraram a América dos Andinos, sua impressão era de que os “primitivos” adoravam demônios, dado que suas divindades eram o antagonismo da beleza européia moderna.
Evidentemente, algumas contextualizações são necessárias. A primeira, é de que os artistas da renascença eram contratados pela Igreja. Isso, não os isenta da atividade artesã, mas se reconhece que nesse intento, tinham o direito de planejas as obras, ainda que sugestionadas pelo cliente (a Igreja). Segundo, que se reconhece nesse período, um apuro inédito com a profundidade e a perspectiva. Isso, faz com que a Arte tenha suas características alteradas. Um exemplo, é encontrado em Henrich Wölfflin, “Conceitos fundamentais da História da Arte” quando diz que na Arte pré-renascentista do holandês Van Heick há o elemento de uma perspectiva ousada, mas que não disfarça a impressão de uma profundidade no território, já que a linha do horizonte é mais baixa que nos países do centro europeu. Essa característica, notada somente por teóricos mais apurados, é fundamental para entender esse processo na criação da Arte renascentista. Além do mais, vários de seus representantes eram humanistas, o que os fazia incutir na obra, suas indagações, exemplo de Albrecht Dührer, que procurava na beleza humana, um sentido para a existência e a verdade dos fatos.
Dizer que o artesão é um artista é desvalorizar o próprio campo desse debate. O artesão é fundamental para o desenvolvimento da Arte, mas não é um artista. Não se desconhece aqui, a importância do desenvolvimento da atividade manual. O que se dá, é uma conceituação diferente e ímpar ao ideólogo da obra, não por um mérito apenas intelectual, mas por sua busca na química das cores e nos estudos mais avançados da própria perspectiva (no que tange a pintura). Exemplo disso esta em “La idea como Arte” de Gregory Battcock. No artigo “Monumentos para nenhum lugar ou para qualquer lugar”, Dore Ashton cita o artista pop Klaus Oldenburg e sua concepção de escultura moderna para o porto de Nova York: Klaus propôs em teoria, que fosse criado um banco de areia ou similar para que os navios que ali passassem, fossem ficando encalhados. Com o tempo, haveria uma pilha de sucata, envelhecida e que comporia um cenário atípico com a modernidade da cidade e do porto. Quem pode dizer então, que Klaus na seria o artista? A sua idéia seria a composição da obra, a construção do monumento, mas a edificação seria dividida entre a construção dos objetos (navios) e o processo tempo-espaço. Fica claro, aqui, que artista e artesão são distintos, ainda que manualmente possam estabelecer relações similares. Mas isso, é uma outra história, e bem explicada pela Escola Bauhaus.

Fabiano da Costa, 20 de junho de 2009.

Um país exótico.


Anos atrás, uma escritora francesa esteve no Brasil (devido a minha ignorância, não lembro seu importante nome) e disse ter ficado maravilhada com o país: Seu exotismo era tão exuberante que juntava papagaios, pessoas sorridentes, índios com lanças e o verde das florestas. Segundo ela, achou aqui também, uma espécie em extinção: Comunistas. Sim, esta senhora disse ter encontrado até Comunistas no Brasil! Isso, em 1999, foi o máximo para mim. Achava eu, que aqui ainda era o refúgio da Esquerda, pois o país é auto-suficiente. O Brasil não precisa importar medicamentos, por que vende matéria prima para fazê-los. Não precisa importar alimentos, por que produz 15% do que o mundo consome. Não precisa comprar água nem energia por que temos cerca de 10% da água potável do planeta. Ufanista? Pode me chamar de Policarpo Quaresma. Prazer em conhecê-lo.
Em 1999, o Brasil estava a beira de um colapso. Para quem não lembra, a crise econômica que arrebatou os tigres asiáticos e a Rússia entre 99 e 2001, ameaçava ser a crise de 2008. Qualquer economista avisava: Nos próximos 10 anos o Capitalismo quebra. Não quebrou, mas em compensação mostrou que o Capitalismo é inviável, e que os neo-liberais são contra o Estado até a primeira baixa nas bolsas. Em junho daquele inesquecível ano, Leonel Brizola me arrancou lágrimas. Pediu que FHC e sua quadrilha deixassem o país, que nos esquecessem e sumissem para gastar com os gringos, o que levaram com a venda das Estatais. “Senhor Presidente [FHC], nos deixe ao menos viver com dignidade. Renuncie. Vá embora do Brasil”. FHC não renunciou e sucateou o país ao extremo. Nunca tanta gente passou fome nesse país. Nunca, uma teoria econômica, construída por economistas, antropólogos, filósofos e até por um sociólogo deu tão errado. Era o jogo de dominó dos Neo-liberais: Quebrando um, faliam todos. Era a democratização da miséria – mas somente para os mais pobres. Diversos estudos mostram que o poder aquisitivo da burguesia brasileira (diluída na classe média) aumentou consideravelmente, o que lhe permitiu inclusive, renovar a frota nacional de veículos. Por outro lado, as mesmas pesquisas são unânimes: Quem sustentou esse enriquecimento foram os 50% mais pobres do país. Deles, a grande maioria mudou de classe. Deixou de ser pobre, para ser miserável. São Paulo, por exemplo, bateu o recorde de gente morando nas ruas e viadutos. FHC empreendeu um grande projeto de moradia. Qualquer ponte virava casa, rapidinho.
Sim, somos um país exótico. Esta senhora tem razão. O único país com imensa maioria branca, onde os brancos ocupam mais de 85% das vagas das universidades públicas e mesmo assim, o Governo federal optou por remarcar reservas indígenas, ceder sistemas de cotas para brancos pobres, negros e índios no ensino superior, e ainda, desenvolver o maior programa de alimentação no mundo: O Fome Zero. Depois de FHC, Lula procurou colocar comida no prato da população. Fez os acordos mais esdrúxulos, as uniões mais insólitas, os apertos de mão mais repugnantes, mas qualquer órgão da ONU é unânime em alegar que o número de miseráveis diminuiu enquanto o brasileiro hoje come mais e melhor. O Brasil é o paraíso? Claro que não. Óbvio que não. Mas para quem viveu o período FHC com olho clínico, não há sequer comparação. Claro, a não ser para a Direita, que não liga se alguém morre de fome. Os reacionários de plantão já escolheram Aécio Neves como seu candidato. Em Minas Gerais, os sindicatos ligados à comunicação já denunciam: O homem aperta qualquer jornaleco ou Rádio Comunitária que falar dele. Aécio, portanto, é a democracia que o Brasil precisa.
Temos ainda papagaios, alguns índios e alguns pés de Pau Brasil. FHC homenageou os portugueses. Segundo o sociólogo da Sorbonne, eles nos trouxeram a civilização. Os índios, como ainda se pensa em muitas salas de aula do ensino superior, eram apenas um entrave para isso. Precisam de liquidificadores, de Internet, e claro, de suco Tang, por que colher frutas dá trabalho, e ser moderno é minimizar o esforço. Nossos acadêmicos brancos e dominantes, sustentados pelos brancos pobres que não entram na Universidade e pelos negros que não serão seus colegas, agora querem acabar com a ignorância dos índios. Democracia é necessária e faz bem.
Quanto ao país exótico, ele está bem aqui. Dentre os micos-leão dourado e os peixe boi, em meio às piranhas do Rio Amazonas e os jacarés do Pantanal, e até perto das Capivaras do Taim, existem os temíveis comunistas. Podem de fato, estar até entre as esculturas de Aleijadinho, no Carnaval da Sapucaí, e pasmem, no meio do Governo Lula. São uma criação da pobreza brasileira e das contradições de nosso período colonial. São, na verdade, resquícios da insuficiência teórica de nossos liberais e da incompetência de nossos economistas, que nunca inventaram nada. Só mudaram a rota para onde ia o que era saqueado. O Próprio MST é uma herança da miséria gerada num país de proporções continentais, onde ainda existem Governadores Gerais e até sesmarias, que produzem em sistema pré-feudal. Sim, somos exóticos, mais coloridos, mais antropofágicos e temos comunistas. O que nos intriga é que um europeu esteja mais absorto com a sobrevivência da nossa Esquerda, do que com as colônias de pedofilia que eles mesmos, os turistas, subsidiaram. Mas isso não é discutível, por que somos neolíticos, e como consideram os acadêmicos, incapazes de discutir nós mesmos, o nosso futuro.

Fabiano da Costa, 22 de março de 2009.
Imagem: Araras brasileiras e comunistas. Autor desconhecido.