quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Kid Foguete no matadouro: Mais da mesma estética norte-americana.

As recentes imagens expostas na grande mídia, mostrando a tortura e os maus-tratos a animais em frigoríficos e matadouros estadunidenses, geraram perplexidade. Na época do politicamente correto e do avanço da “democracia americana”, a grande mídia sabe mostrar onde desemboca o que Bush chegou a denominar de “mundo civilizado”. Para tal, o conto de Charles Bucowisky, “Kid foguete no matadouro”, é tão ácido e causticante como também uma bela denúncia da “Indústria da carne”, acusada substancialmente de viciar seus consumidores e impulsionar uma epidemia de obesidade nos EUA.
Na verdade, as imagens contidas em vídeos distribuídos por associações de defesa animal, não trazem nada de novo. Uma série de documentários, reportagens e depoimentos dignos de filmes de terror, já salientaram o sacrifício a que os animais tem sido submetidos em nome da indústria da alimentação. Além disso, o consumo de carne é um dos vilões da epidemia de obesidade que atormenta os EUA e outras nações do chamado “Primeiro mundo”. Acredita-se que 30% dos americanos já estejam sofrendo de algum grau de obesidade, o que tem onerado o sistema de saúde do país e feito com que o Governo tenha implementado políticas de redução de calóricos já nas escolas. Os movimentos de defesa da vida animal já se mobilizaram, a ponto de redes de supermercado já terem anunciado o recolhimento de 70 mil toneladas de carne animal (o que parece um gesto mais representativo do que realmente funcional).
A implementação de novas políticas alimentares, entretanto, enfrenta a resistência de grandes conglomerados econômicos. Algumas das maiores empresas americanas estão no ramo da alimentação (se é que podemos chamar os burguers de alimentação). Estas empresas, com faturamento na ordem dos bilhões de dólares só perdem para as empresas de capital baseado na indústria petrolífera ou armamentista. A febre do “Fast food” norte-americano se alastrou especialmente nos anos da política neo-liberal, o que permitiu a “globalização de costumes” e a importação do modelo de alimentação das grandes cadeias americanas (leia-se Bob´s, Burguer King e especialmente Mc Donald´s). Acredita-se que a obesidade esteja se tornando uma epidemia até mesmo em países com uma mesa regulada, onde os vegetais são bem-vindos, como o Brasil. Não por coincidência, o consumo de carne vermelha dobrou na década de 90 na mesa dos brasileiros, e outros tipos de carne passaram a ser base da alimentação, como o frango. Prudente lembrar que a carne de frango é carregada de hormônios de crescimento e alguns países europeus colocaram, em relação a isso, reticências na compra do produto durante algum tempo. Em detrimento a isso, o consumo de feijão e arroz caiu vertiginosamente, dando lugar a lanches, massas e gorduras trans e saturadas.
Nas décadas de 80 e 90, ambientalistas e biólogos apontaram para um fenômeno assustador: As florestas tropicais, em demasia na América Central estavam sendo dizimadas por empresas no ramo de alimentação. A causa principal seria a derrubada de mata verde para a produção de pastos. As indústrias tentaram justificar o fenômeno com o aumento do consumo de carne, e o respectivo crescimento dos rebanhos para atender a demanda do mercado. Para exemplificar a situação e o desregule de tal mercado, o Brasil tem 180 milhões de habitantes e mais de 200 milhões de cabeças de gado. Um bovino de médio porte consome até sete vezes mais água que um humano adulto. No que é gasto na produção de um quilo de carne bovina, poderiam ser gerados até 15 kg de vegetais. Além de saciar a fome de países inteiros, geraria uma massa de empregos diretos e indiretos e distribuiria emprego e renda. O sistema de saúde não teria de enfrentar o número de 500.000 casos de doenças coronárias, maior parte deles, causados pela associação perigosa de sedentarismo, tabagismo e consumo de altas taxas de colesterol. O “negócio da carne” é tão lucrativo e tem crescido tanto no Brasil, que em junho de 2007, o Friboi, de Goiás, anunciou a compra da Swift, 3ª maior cadeia de frigoríficos dos EUA. Evidentemente, tocar na “cultura da carne” é mexer em milhões de dólares.
Quando se fala em cultura, é prudente observar que essa situação não pode ser modificada em dias e sim, em anos. Uma das melhores propostas para o assunto é a lavoura da subsistência e a agricultura familiar. O consumo de carne nestes espaços tende a ser limitado, mas apontaria um decréscimo importante, modificando a economia dos pequenos municípios. Em seguida, campanhas de racionalização do consumo. Ou seja, diminui-lo, mas não encerrá-lo. O programa de merenda escolar deveria estar inserido nesta proposta. Estudos apontam que inicialmente, a queda no consumo aumentaria provisoriamente o número de rebanhos, para compensar a queda no preço, mas em menos de uma década, esse número deveria estar estabilizado e em decréscimo, dado a pouca receptividade no mercado. Como paliativo, as organizações ambientalistas dos EUA e da Europa tem exigido medidas radicais de seus governos, como a criação de políticas para que as grandes empresas da alimentação adotem regras-padrão para o “abate mais humano e menos cruel” dos animais. Podemos sugerir mais: Que as empresas do ramo, e especial do Brasil, sejam proibidas de usar a figura de animais felizes e sorridentes em suas propagandas, já que isso é uma política de atenuação e aproximação com o público infantil, grande alvo de suas campanhas publicitárias. Outra: Que provando a higiene e total segurança do produto oferecido, como salientam as donas do mercado, sejam veiculados vídeos contendo os abates dos animais. Temos certeza de que uma sessão destes vídeos faria o consumo despencar no dia seguinte. É bom frisar: Uma sessão apenas!
A discussão é bastante delicada: O mercado da pecuária movimenta bilhões de dólares somente no Brasil. Além disso, podemos considerar a forte influência política e cultural na formação da economia brasileira e a geração de empregos. Por isso, um estudo minucioso aponta para efeitos de racionalização de consumo e paliativos na construção de outras formas de emprego e renda. A diversificação das culturas agrárias é um exemplo: Alterar bruscamente um cultura alimentar pode introduzir a monocultura como saída emergencial de vários produtores. Portanto, essa uma discussão bastante delicada. O que tem de ser pesado não é só o politicamente correto, mas que tipo de projeto de Esquerda estamos tentando criar. No projeto que desejamos, a vida é objetivo principal, seja de homens ou animais. A dignidade da mesma, é, portanto, alvo de nossa discussão. Não estamos propondo acabar com a pesca numa cidade litorânea como Rio Grande, mas sim racionalizar o consumo e diversificar a economia, gerando renda de forma sustentável e segura para o próprio meio. A única certeza que temos é que manter a produção e o consumo de carne nos níveis atingidos atualmente, é alicerce de uma indústria extremamente lucrativa e socialmente irresponsável e que por sua vez, apresenta perigo não só a vida animal, mas a própria raça humana. Temos de pensar o mundo de forma universal e completa, numa ética ambiental que nos permita acabar com a fome, alimentando com qualidade e gerando milhares de empregos. E isso, a “Indústria da carne”, com certeza, não pode fazer.
Fabiano, 19 de fevereiro de 2008.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Galerias corriqueiras e urbanizadas de uma nova Arte

Não é muito dificil entender, por que uma das grandes preocupações da arte contemporânea é fazer um resgate humano do indivíduo. A brutalização fugiu ao conceito de “massa” e atingiu a classe média. Em meio ao caos instaurado na civilização deste hemisfério, pendente entre o consumo infindável e a correta politização do novo discurso Ocidental, vale sempre tentar entender todas as pontas desta estrela (de)cadente. Assim, nada mais pode nos surpreender: A Arte saiu das galerias e finalmente chegou às ruas – infelizmente não por um fator da democratização do acesso a própria Arte, mas por uma necessidade de sobrevivência da raça humana. Ou isso, ou os que tem o poder do extermínio em massa, vão implementar a política da erradicação das minorias – podemos chamar isto, por um certo ângulo, de “ditadura da maioria” e este é seu aspecto mais conhecido: Sua tentativa de se manter homogênea.
Em pleno 2006, com mp3s e mp4s a desfilar por aí, a coisa que mais assusta as pessoas é a insegurança; Não a insegurança das centenas de milhares de pessoas que trafegam pelos EUA com ships implantados por debaixo da pele, nem a insegurança das dezenas de satélites que diariamente nos vigiam e seguem, mas a insegurança da própria insegurança; Ficar sem o celular por alguns momentos pode significar o fim para alguns. Na última bienal de SP, Marcelo Cidade, desenvolveu uma obra interativa: Ficou munido de um bloqueador de chamadas na mochila e andou por dentre os transeuntes que visitavam o Ibirapuera. O resultado pode ser considerado uma espécie de “caos organizado”: Ninguém entrou em pânico, mas houve desconforto generalizado, disseminação do medo constante do que fazer sem o aparelhinho que se faz parecer necessário. Enquanto isso, no térreo Laura Lima colocou sua “boutique” com roupas de plástico. Poderíamos ter criado uma discussão que se prolonga através da (anti)obra de Cidade: Para que as coisas servem? Para que são criados os utensílios? Quem manda em quem afinal?
Buenas: Se podemos fazer um gancho com a obra de Marcelo Cidade diante da funcionalidade real das criações humanas, podemos fazê-lo também com a criação de Laura Lima em um aspecto ampliado. As roupas de plático de Lima não tem modelitos rígidos; As pessoas não tem de se adaptar à elas. A função das roupas não é fazer com que os corpos se adaptem à elas, mas sim, criar maneiras de que possam se adaptar aos corpos. A verdadeira democracia ampliada: Todos podem vestir roupas que se alongam, ou que se tornam constritas. Mais do que isso: A roupa de plástico é utilizável, bastante econômica, mas também descartável. Ela pode ser descartada.
Eis então que surge a discussão da funcionalidade. A Arte trava essa discussão desde que resolveu por os pés fora das galerias. Para tal, o Design e a arquitetura ganharam novas dimensões: Democratizaram sua linguagem sem se tornar populares a ponto de perderem referencias estéticas e eruditas. Não adianta desenvolvermos novas vigas de aço, para novos edifícios, com novos padrões arquitetônicos se isso não chegará a ninguém. Ainda que aqui a discussão de “Classes” ou da “luta” que se refere as mesmas seja pertinente, não vamos abrir o link. O que interessa, é que esta construção tenha padrões estéticos, no mínimo, aceitáveis. A procura da beleza não se distancia da busca famigerada pela funcionalidade extremada de tudo que é produzido. Assim, podemos criar objetos que nos proporcionam “prazer estético”, mas também que sirvam para desenvolver algum trabalho no quotidiano, ou vice-versa (o que é mais aceitável dizer). O exemplo disso, está na criação de Brasília. Enquanto Lúcio Costa conseguiu a façanha de criar uma paisagem Urbana “Saudável”, com parques e amplas vias de acesso, Nyemeier, Comunista convicto, planejou uma série de edifícios e construções que se tornam democráticas não somente pela facilidade ao qual se chega a elas por rampas e enormes portões, mas pelo desenho arrojado que pode encantar multidões, e assim se tornar objeto de prazer aos que ali vivem. Esta é a funcionalidade real do que criamos: Que nos gere prazer. Não um prazer hediondo, ou um simples momento hedonista, mas um prazer que se refere ao bem-estar para se construir algo e edificar uma nova mentalidade (e não estamos tratando da Arte Construtivista, ainda que o Link esteja aberto). O Instituto Bauhaus propôs a edificação através da Arte com democracia através da Arte: assim, amplas janelas, vitrôs e portas eram usados em doses nada homeopáticas nas construções alemãs deste período da década de 1930, proporcionando casas arejadas, claras e abertas onde pessoas não precisassem esconder suas convicções e idéias. Mais do que isso, antes mesmo da conduta revisionista que temos diante do processo histórico a tratar do artesanato e da chamada Arte Popular (conceito que vem se modernizando e efetuando como Escola para que possamos entender artistas sem formação que não sejam Naifs, nem simples artesãos), Walter Gropius já propunha que artesãos e artistas trabalhassem juntos num modelo de produção amplo e acessível. É a Arte que nega a Arte aristocrática. Não nega a galeria, pois a galeria é um fator agrupante, que serve ao intuito da convivência e de se tornar funcional quando agrupa e não seleciona, mas abre espaço para que a Arte seja realmente democrática, aberta, e claro, funcional.
Assim, quando a Bienal de SP, em sua 27ª edição tomou a decisão de ser mais politicamente correta do que estética em si, ela retomou um lado controverso da Arte; A Arte panfletária se tornou um peso; Um óleo reutilizado na gordura saturada, mas de fato, o que se notou é que a Arte sem compromisso algum é bem pior: Ninguém mais agüenta o risco de se ter uma arte vazia, comercial, que atenda somente aos interesses de novos mecenas, que a seu propósitos, por serem grandes empresários não queiram mesmo discutir questões sociais. Ninguém também agüentaria uma arte comandada pelo “Partidão”. Os Grandes artistas do nosso século, mesmo os mais engajados não agüentaram o regime de “Centralismo democrático” implementado pelo Partido Comunista Tradicional. Picasso, o homem que tentou teorizar através da arte a Guerra Civil espanhola, e seus horrores em “Guernica”, acabou por se afastar deste controle. Talvez tenha sido a Pop Art a mais suscetível a obter este tipo de êxito: Ela não era politizada “de fato”, mas discutiu questões extremamente inseridas no contexto político (consumo, meio ambiente, personalismo), sem se tornar politicamente correta, e sem deixar de ser extremamente atraente ao grande público (daí a própria denominação que recebera). Ela se tornara democrática porque inserira seus expectadores em temáticas extremamente corriqueiras: Os ícones pop, o consumo em demasia de certos produtos que são quase signos, os móveis e eletrodomésticos quase que “Kitchs”. Não há quem não tenha visto algo que a pop Art não tenha discutido. Como diria Andy Wahrol, “todos serão famosos por pelo menos 15 minutos no futuro”.
Assim, em 2006, a Arte toma o rumo que a mantem viva e acessível. Se por um lado, o medo de Oscar wilde era “tornar a arte popular”, por outro, sua proposta era “tornar artista o público”. Se formos ver as três grandes teorias de compreensão da Arte (Imitativa, expressionista e forma significante) notaremos que hoje podemos formar uma teia de significados, ainda que na Arte ela só se signifique ela mesma, e se permita a emitir conceitos; A Arte popular (termo já citado) remonta o prosaico, o mobiliário da formação humana antes da compreensão da estética; A teoria expressionista mostra que realmente o artista enseja em passar algo, a transmitir algo, codificar a transmitir mensagens em série para que o público possa consumir essa teia de conceituações que ele forma subjetivamente; Por fim, a Teoria de Forma Significante abre um leque ao qual o artista é livre: Tão livre que não precisa tentar transmitir mais nada. A função da transmissão, ou da recepção das mensagens emitidas é de responsabilidade do expectador (público). Assim, isso dependerá da sua sensibilidade para com o objeto estético. Ainda assim, esta teoria nos permite uma observação já feita anteriormente por críticos especialistas em Arte: Se uma pessoa não sente nada ao ver uma obra, segundo esta teoria ela é insensível. Mas o termo “Insensível” é por demais determinista; O mesmo “insensível” para com a Arte pode tratar de animais doentes, se emocionar para com a pobreza e a miséria, amar de forma pura e inocente uma outra pessoa; Melhor: Pode não compreender as obras expostas em uma galeria, mas pode manter um grande interesse em visitar galerias e procurar entender tais obras que ele não entende, pois de fato não povoam seu imaginário. Assim, dizer que todo artista quer transmitir algo (teoria expressionista) é bastante utópico, porém deixar de analisar uma obra, pois tal analise é definitivamente subjetiva, é lavar as mãos e destituir o potencial educativo da própria arte. A Arte que se tem hoje é multi-facial: Nós temos ainda grandes artistas de teor clássico guiando grandes mostras (Arquivos imensos de Cézanne, Picasso, Matisse, Miro, Dalli, Frida Kallo), mas temos grandes mestres vivos girando e estudando o mundo (Leon Ferrari, Saraceno), e um grande número de artistas que trabalham com linguagens modernas, atuais, de fácil acesso (Minerva Cuevas, Guy Tillim, Dan Grahan), além de grandes nomes do circuito contemporâneo (Doris Salcedo, Ron Mueck, Debora butterfield, Christo, Anish Kapoor, Richard Serra), que tratam de questões dos mais diversos temas, mas sendo extremamente acessíveis ao grande público. Nós não temos mais Berni, nem Orozco, nem Rivera, mas temos uma arte que ainda é social, de caráter político, humanista e que permite um canal ao que se tratava no inicio deste texto: Evitar a brutalização; resgatar os que já estão em caminho de total obliteração. A Arte passa a ter uma responsabilidade colossal: Ela vai às ruas, se insere no quotidiano, e passa a fazer parte de um novo tipo de repertório imagético; Assim, devemos lembrar das obras imensas, colocadas por Richard Serra em meio a cidades extremamente populosas; Em meio a correria, ao dia-a-dia, a falta de perspectivas, a ausência de uma sensibilidade mais exacerbada, surgem obras de arte; Elas denotam expressões novas no meio, negam o espaço antigo, ao mesmo tempo que não o destroem – o realçam! Assim, trabalhos como os desenvolvidos pelo Concretista Amílcar de Castro na década de 1950, poderiam se tornar peças corriqueiras da labuta diária das populações. Expostos em viadutos, fixados em praças, confeccionados para centros de trânsito intenso, eles envolvem a paisagem, chamam para si destaque, conseguem desenvolver algum tipo de sensibilização. Uma atividade, indireta, de Arte-sensibilização. Já que não podemos levar milhões de pessoas a consultórios para atividades Arte-terápicas ao estilo Lygia Clark, podemos antes de tudo, tocá-las no eixo do dia, na cárdia do quotidiano. Para tal, chegou-se a um momento único, e bastante importante, onde a Arte se viu obrigada a partir para a discussão dos fatos diários. Para muitos, o que se tem hoje não é Arte. Mas devemos fazer uma abordagem simplista e obvia: Os grandes artistas que compõe o período de maior relevância para a História das Artes Visuais, calcaram-se em obras que por um aspecto ou outro, designavam particularidades deste período: Bruegel, em seus quadros, retratava costumes e conflitos do Século XVII que compunham a vida dos Europeus; Courbet e Daumier, ambos franceses do Século XIX, cristalizaram na pintura realista um quadro de miséria dos homens que estavam a margem de uma sociedade que saira das monarquias, mas passara ao domínio dos valores burgueses; A Cubana Ana Mendieta, em pleno Século XX travou uma batalha em nome dos massacres cometidos por sobre os indígenas de sua terra, quando da chegada dos espanhóis ao Continente, fazendo um translado para a realidade do período atual: Massacre de mulheres, homossexuais, tentativa de extermínio das minorias; Não parece, então obvio, que a Arte atual tenha sim que firmar projetos com o seu tempo, de acordo com a sua realidade temporal? Não devemos, então, estranhar o uso de mídias eletrônicas, de vídeo-instalações, de paisagens que denotam favelas e “estoques de gente”, nem instalações com fotos de lesões corporais e violência gratuíta. Este é o nosso tempo! Ligue a TV, leia a última página do jornal, acesse a Internet, visite os subúrbios, use os banheiros públicos, passeie pelos logradouros das zonas de prostituição. Está tudo aí. Seria estranho, de fato, não esteticamente falando, mas cronologicamente discutindo, termos uma série de obras explorando os períodos mágicos do Barroco brasileiro (Português, Joanino, Rococó), enquanto nas favelas existe uma guerra civil não declarada, um poder paralelo onipresente, um senso de ética e compromisso social que a “ponderação” da sociedade democrática não garantiu com suas instituições. Assim, parece mais do que obvio que Maverick de Ogum tenha ganho o status de Artista popular: Ele está no Centro do furacão, sendo poupado dos destroços no momento, mas bastante ferido pela miséria e pelo consumo que o transformaram em catador de lixo, e respectivamente, em artista: Sua carrocinha (instalação por sobre seu objeto de trabalho) é um amontoado de “coisas descartáveis”, que perderam o valor dentro do que se considera “funcionalidade”: Bonecas velhas, celulares aposentados com tecnologia obsoleta, relógios de pulso com vistosas pulseiras que escorrem pelo braço... Se estamos vivendo um período de “convulsão social” e “mudança histórica”, é obvio que tenhamos que deixar isto na nossa história. O estudante de Artes Visuais, o professor de Artes Visuais, o crítico e o admirados das Artes em geral, tem obrigação redobrada de entender isto: Passamos por um período de transição histórica, crise ética, reavaliação de valores, de consumo em demasia e degradação ambiental cavalgante. Se a Arte não empunhar a bandeira da discussão, pouco se espera que outra área o fará. Esta é a função social da Arte.
Fabiano – Março de 2007.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Democracia censitária, mídia e eleições: Soda Pop americana

Democracia censitária, mídia e eleições: Soda Pop americana

Com a aproximação das eleições nos EUA, era inevitável que a mídia estadunidense não calcasse muitos de seus comentários, prognósticos e previsões políticas, os relacionando a crise energética mundial, ao aquecimento global e, principalmente, a manutenção das atividades militares no Afeganistão e no Iraque. Como era de se esperar, a grande preocupação é com a recessão econômica e com a obtenção de novas fontes energéticas, a fim de que os EUA não afundem numa crise econômica parecida com a de 1929. Pode-se sugestionar que esta previsão é por demais catastrófica, mas 8 em 10 economistas apontam que esta é a primeira grande crise “do fim deste capitalismo” (ou seja, o sistema vigente prosseguirá, mas com alterações significativas).
Podemos afirmar que os EUA enfrentam um problema circunstancial, derivado da intensificação econômica dos anos 90. Com o advento do consumo, da polarização econômica e das políticas neo-liberais, que fizeram expandir a circulação de dólares e dos investimentos norte-americanos, europeus e japoneses pelo mundo, os EUA passaram a produzir mais, consumir mais e necessitar aumentar quantitativamente seus mercados consumidores, a fim de sustentar seu crescimento. Já na década passada, muitos economistas, críticos políticos e ambientalistas apontavam para o que estamos vivendo: As fontes energéticas estão em pleno desgaste (principalmente as de combustível fóssil), a água começa a faltar em diversos continentes e as políticas neo-liberais entregaram economias sensíveis ao julgamento de empresas do “primeiro mundo”. Afirma-se agora, que para mantermos o atual capitalismo, o nível de consumo necessitará aumentar em oito vezes até 2020. Como sabemos, não temos mais fontes energéticas para sustentar esse crescimento.
Diante de tantos infortúnios, Bush filho já acenou com pequenas mudanças: Implementará o uso de Biocombústiveis, retirará até o fim desse ano 20.000 soldados do Iraque e já autorizou que os EUA cumpram parte de um tratado mundial de redução de gases nocivos a atmosfera. Esses “avanços” são tímidos, mas já mostram que os EUA tem sentido uma pressão bastante forte, em principal da União Européia e precisam concentrar esforços para não perder mercados. Além disso, a China, principal adversária no mercado mundial (e militarmente, a única força a lhe fazer frente) tem evoluído economicamente e se desgastado politicamente pelo uso de termelétricas na geração de 70% de sua energia. Isso fez com que a União européia e até o (antigo) grupo dos “Países não alinhados” suscitassem críticas virulentas a Pequim. Os EUA, em contrapartida abandonaram a arrogância de Kyoto, em 95, quando não assinaram um tratado de não proliferação de gases poluentes (discutido desde a ECO 92, no Rio) e aceitaram os termos dispostos. Não é preciso dizer que sua imagem internacional, desgastada em demasia pela gestão Will Bush, foi sensivelmente maquiada.
Os presidenciáveis a Casa Branca fizeram o mesmo: Colocaram a questão ambiental na agenda diária e passaram a desenvolver pré-projetos de incentivo e implementação aos bio-combústiveis. O que surgiu como uma ótima alternativa já suscita críticas: Diferente do Brasil, donde ele é retirado de plantas não-comestíveis (a mamona, por exemplo) e a utilização do álcool é usual há quase 30 anos, nos EUA o biocombustivel é derivado do milho. Para tal, o país tem dado incentivos e subsídios a quem o plantar para veste uso, o que prejudica os produtores que visam o mercado interno da alimentação (o milho é freqüente na mesa dos americanos) e a exportação do grão. Alguns países do Terceiro Mundo, tem visto no biocombústivel uma forma de erguer suas economias e no futuro, alçar a posição que hoje é dos países da OPEP (Produtores de Petróleo e manos interessados em combustíveis não-fósseis). El Salvador, é um deles, mas ainda preocupa o quanto isso afetará o abastecimento de comida, principalmente nos mercados internos. Para piorar, muitas multinacionais têm plantado os biocombustiveis na África. O que inicialmente daria empregos e renda, gerou mono-cultura e um decréscimo nas lavouras que visavam o mercado da alimentação. Isso tem gerado indignação de ambientalistas europeus e americanos, apesar de parecer (mais uma vez) um caminho sem volta. Em sua defesa, as empresas alegam que a tônica destes empreendimentos é gerar emprego, renda, empregar lavouras em territórios mais amplos e alçar uma política de combustíveis menos poluentes e renováveis. Acredite quem quiser.
Enquanto isso, John McCaine, pelos Republicanos (conservadores) e Hillary Clinton e Barack Obama, pelos democratas (liberais), passaram a usar a retórica ambientalista em seus discursos. Ao mesmo tempo que a campanha de 2008 já bateu recordes de doação e investimento, boa parte das mesmas, oriunda da indústria petrolífera, se aumenta o tom ambientalista lançado por Al Gore (que, enquanto foi vice de Clinton, nada implementou e “engoliu” a posição americana diante do Protocolo de Kyoto). O quanto isso será verdadeiro é uma segunda preocupação. A primeira de fato, é quando essas políticas estarão em prática. McCaine é tido como “um liberal” dentro da ala mais conservadora dos Republicanos, mas não destoa da visão de Bush, de que os danos do aquecimento global, anunciados pela ONU em fevereiro de 2007, são mais alarmistas que verdade. Já Hillary e Obama tem políticas para as minorias, mas para isso, precisam gerar empregos. Então, vão ter de aquecer a economia, e os EUA, não tem um plano econômico na utilização de combustíveis menos poluentes, pelo menos a pequeno prazo.
Diante dessa crise, a China continua a crescer (bem) acima da média mundial, se utilizando de termelétricas. A União Européia e os próprios EUA, passaram a fazer severas críticas ao sustento da economia chinesa. Em resposta, o Governo de Pequim tem construído hidrelétricas e passou a se interessar pelo biocombustivel, mas o uso do carvão mineral ainda pode perdurar por décadas. Calcada numa mão-de-obra barata e disciplinada, a China tem oferecido boas condições para que as multinacionais por lá se instalem. Isso também faz com que haja uma pequena fuga de capitais, antes ondulantes entre os EUA e o Japão, e que agora, se aproveitam das facilidades encontradas por lá, ou na Índia. E como já se afirmou, não há uma política de crescimento sustentável nesses países.
A situação é bastante complexa. Nesse ano, as eleições norte-americanas darão o tom da política adotada nos próximos anos. Para a economia dos EUA, jogada numa recessão grave, catapultada pelos gastos militares de George Will Bush (o “maníaco”), a saída tem ser rápida e eficiente, dando resultados ainda em 2008. Para os ambientalistas, essa é uma mostra de que o diálogo pode estar se encerrando e começando a “era do pragmatismo” da política estadunidense. Os otimistas são tímidos. Não arriscam palpites. Para os pessimistas, mais assustados, o relatório da ONU acerca dos danos ao meio-ambiente, corre o risco de estar desatualizado e sendo substituído por um agrupamento de crimes ambientais, piores e irreversíveis, e que nem mesmo o Superman, sinônimo da eficiência ocidental americana poderá atenuar.
Fabiano da Costa – 7/2/2008.