quarta-feira, 18 de março de 2009

Quem tem o poder no interior do Brasil e o que faz com ele.


Gilmar Mendes não esconde seu posicionamento político: É direita. Juiz da Alta Côrte, Presidente do STF e latifundiário em MS, defende sua classe de maneira inequívoca. Ele é o símbolo da parcialidade política, do abuso de poder dos nossos 500 anos de submissão. Ainda que não hajam de fato, acusações contra ele, age conforme a sua classe senhorial. Segundo a Pastoral da terra, Gilmar Mendes é o símbolo maior do grileiro de terras que não mede esforços e governa para e com os amigos. “Que deus nos livre de juízes como Gilmar Mendes” dizia a nota oficial de 6 de março da Pastoral da terra. Amém.
O presidente do STF é o oligarca patético, que sustentado por dinheiro público, passa a não enxergar mais as leis. As troca, enrola, modifca e interpreta conforme a sua própria vontade. Sendo Gilmar Mendes um fazendeiro, podemos pensar se há ou não, privilégios feudais neste país. É de se pensar mesmo.
No interior de SP, o problema é outro e bem maior, mas ainda ligado ao poderio rural: Em Catanduva, uma rede de pedofilia foi desmontada depois de violentar e explorar sexualmente mais de 20 crianças e aliciar outras dezenas delas. O episódio chocante foi denotado pela prisão de um borracheiro, que sendo preso pelo estupro de um gurizinho, desfiou o restante do grupo, que a se saber é formado pela alta classe da cidade de Catanduva, com advogados, médicos, empresários e usineiros. Único preso, o borracheiro “Zé das pipas” passou a ser defendido pelo advogado mais caro da região, pago por alguns grandes detentores de terra da região. Coincidência, espírito cristão, boa ação? Pior: Os pais das vítimas estão sendo ameaçados de morte, seguidos e intimidados pelos capangas dos fazendeiros da Cana. Isso é de e para vomitar.

A realidade é bastante clara: Ainda que 80% da população esteja nos centros urbanos, é no campo que se concentra o poder político, e por conseqüência, a maior impunidade deste país. O poder de Foucault, aquele abstrato, mas que está nas entranhas da informação e da comunicação, é bastante sólido na zona rural brasileira. Recentemente, o MST (Movimento dos Sem-terra) em uma ação ousada, matou 4 jagunços numa fazenda nordestina. Ainda que a mídia insista em chamá-los de seguranças, não explicou o que faziam com rifles e revólveres. Os jagunços assassinados são a maior prova do Estado paralelo dos Coronéis. O Estado real, aquele fomentado com impostos, não age contra eles, não estabelece limites e se o tenta, é barrado por deputados e senadores da bancada da terra e da UDR (União democrática ruralista) como Ronaldo Caiado. Ou é freado por gente como Gilmar Mendes. Ou para nos vários acordos que Lula e a cúpula Petista fecharam no Congresso com José Sarney, Romero Jucá e Severino Cavalcanti. Tudo em nome da governabilidade.

No RS, não é diferente: O Ministério Público vetou as escolas em assentamentos do MST, por que as considera ideológicas. Ora, e a educação moralista, hipócrita e conservadora dos valores judaico-cristãos não é ideologizante? Por outro lado, enquanto o MST é proibido de educar nos seus padrões, o Governo do Estado fecha convênios na área de educação com as poderosas da Celulose como a Votorantin. Alguém acredita que essas ações não estão coligadas ideologicamente? Aliás, um dos maiores apoiadores do Governo canalha e opressor de Yeda Crusis é Carlos Sperotto, da FARSUL, maior entidade de classe dos latifundiários locais. O pior é encontrar os defensores dos coronéis na mídia, tidos como pensadores respeitáveis: Olavo de Carvalho, defensor da supressão imediata do MST e o terrível Diogo Mainardi, que não titubeia na ora de legalizar a violência policial contra os sem-terra. Para Mainardi, o Estado pode falhar na saúde, na educação e na geração de empregos. Mas na hora de impor-se como instituição e mostrar existência, tem de ser pela força (Foucault novamente). Por isso, mostrar sua onipresença à sociedade brasileira é antes de tudo, apontar armas e mirar nos descamisados do MST. Não temam: O Estado existe.
Vários países capitalistas já aceitaram a obviedade da reforma agrária. Até mesmo por que o latifúndio emerge como o Estado Paralelo, que mina e domina vários setores da sociedade civil. Nas sociedades socialistas ele é impensável. Na Polônia, entretanto, um novo modelo foi tentado: O latifúndio era mantido e o Estado tinha controle sobre sua produção e a distribuição e exportação de excedentes. O PCP (Partido Comunista português) criticou essa orientação, mas reconheceu que era um caminho provisório. No entanto, o latifúndio é algo atrasado. É a reflexão maior da Casa Grande e dos Jucas Badarós da Sociedade brasileira. Dentro dos seus limites, se reflete a lógica dos privilégios feudais: O fazendeiro não responde à lei alguma. Faz sua própria segurança e estabelece ele mesmo, a sua justiça classista. Quem sustenta o trabalho escravo no Norte e Nordeste brasileiros? Quem mantêm a troca de crianças por sacos de comida nas áreas miseráveis deste país? Quem mata líderes seringueiros, sindicalistas e militantes pela reforma agrária? Os latifundiários.
Não bastasse isso, é deprimente enxergar nas Universidades, os novos servis ao velho regime do latifúndio. Estudantes contra o MST, estudantes dispostos a trabalhar e defender os privilégios dos Coronéis, estudantes que mesmo nada ganhando desses senhores onipotentes, acreditam que o latifúndio é a melhor maneira de barrar e derrubar os inimigos da sociedade brasileira. Por isso, na década de 70 estabeleceu-se o sistema de cotas para filhos de fazendeiros: Havia um número certo de vagas para os mesmos em cursos como Agronomia ou veterinária. Era uma tentativa de manter o latifúndio, o modernizando e tornando mais poderoso no agrobusiness. A educação dos doutores ainda não mudou nesse país. É só dar uma olhada nos novos capachos.
O Brasil precisa de uma reforma agrária, “na lei ou na marra”. Manter o latifúndio é um crime contra a nossa economia e um emperro contra qualquer projeto de desenvolvimento econômico num país com a potencialidade agrária como o Brasil. Essa reforma precisa ser pensada: No Camboja, em seu nome, foram mortas milhões de pessoas. O Estado supriu a ausência da crueldade dos Terra-tenientes. Em Cuba, ela se tornou exemplar, com o Estado dando a posse da terra aos camponeses, mas controlando a sua atividade econômica. Por fim, é preciso dizer a obviedade, que em qualquer sociedade o latifúndio é tão perigoso para a democracia, quanto a grande propriedade privada. Numa terra onde alguns morrem de fome, enquanto seu país produz 15% da comida do planeta diariamente, fica claro que a reforma agrária dos portugueses com as sesmarias, não deu certo, mas o modelo deixou profundas cicatrizes.

Fabiano da Costa, domingo, dia 15 de março de 2009.
Fotos: Gilmar Mendes, Presidente do STF (Supremo tribunal federal), Ronaldo Caiado, deputado federal pelo Democratas e representante da UDR (União democrática ruralista) e Carlos Sperotto, Presidente da FARSUL (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul).

A beleza e o que ela pode acarretar ideologicamente.

O melhor debate é o debate de Arte. É o mais profundo. Nada o supera. Posso parecer ufanista, mas ele abre guias para quaisquer outras conversações. Gera, como nenhum outro é bem verdade, uma guerra de egos, de opiniões, de posições políticas e ideológicas. Quando é bem sustentado, porém, mesmo que não concorde, gera um prazer enorme em sua oralidade. Alguém consegue não gostar de ver Ferreira Gullar, Décio Pignatari ou Caetano Veloso debatendo Arte?
O Problema é a idéia da beleza. O aceitável é sempre a valorização do objeto que nos parece menos feio. E o que seria beleza? Para os gregos, povo atado à prática dos esportes e do culto à boa alimentação, era se ter curvas perfeitas. Esse ideal, no período da helenização de Roma deu formas definitivas aos deuses da guerra e do Império. Fortemente influenciados pela estética grega, os romanos empreendiam uma campanha de aculturação dos povos dominados. A Língua, a cultura e a aceitação de sua cultura eram sinônimo de beleza. Prova disso, é que como sustenta Ernest Renan em “Origens do Cristianismo”, Jesus Cristo não falava o grego por ser de uma classe baixa na Judéia. A beleza da língua e da cultura helenística não estava acessível aos da classe mais baixa.
Então, como defender o belo? No seu estudo sobre a História das Artes Visuais, “Conceitos fundamentais da História da Arte” Henrich Wölfflin (1915) foi categórico em definir uma primeira etapa entre os lineares e os pictórios. Os lineares surgiram por colocar a linha na construção do objeto, o que mostrava claramente o desenho e a pureza das formas. Os pictórios, especialmente representados por Rembrandt, fizeram a pintura representar a construção das mesmas. A linha não desapareceu, mas se tornou invisível. O objeto real, facilmente assimilado pelo ideal de perfeição fora substituído pela impressão que temos de ver as formas, os movimentos, e nos estudos de cor e sombra, abrir uma porta para o que seriam os impressionistas. Como subverteram a linha, os pictórios inicialmente não foram bem vistos. E hoje? Alguém se atreveria a falar de Rubens?
Foi no Curso de Artes da FURG, que entre os alunos, encontrei o maior ranço de preconceito e conservadorismo “a favor do belo”. Uma traição, de fato, contra a espontaneidade da Arte. Uma horda de conservadores, chegava no curso e na universidade para sustentar o vigente. E pior: Não eram os conservadores como Dali, em busca dos valores greco-romanos e da renascença, mas sim, modelos frustradas, funkeiras desempregadas, pseudo-halterofilistas em busca de alguém para adorar seus músculos. Essa coisa vazia, esse hedonismo sem razão, quase suprimiu toda e qualquer liberdade. Hoje, ao ver a atual discussão entre colegas de curso, reconheço que elas são bem mais produtivas, mais carregadas e fundamentadas (ainda que a grande massa do Curso, seja formada por pessoas que não discutam e nem sequer gostem de Arte). Porém por mais que se tenham boas articulações dialéticas e se copiem textos e mais textos da internet, o preconceito ainda é o mesmo: Beleza é aquilo feito por um grande mestre clássico, enquanto o novo, é subversão. Para legalizar a sua opinião pela internet (por que não debatem no Curso), os neo-gregos deixam de ser atenienses e passam a ser espartanos: A beleza é legalizada pela força, pela onipotência e pela falta de respeito. Isso me faz lembrar algo que esses mesmos “proto-historiadores” de Arte (que “estudam bastante”) não conhecem: A beleza pela conceituação nazista. Em 1938, para divulgar o fim da feiúra na Arte (e isso me lembra a funkeira-mor do Curso, que disse não tolerar “gente feia”), Hitler organizou a Exposição Universal que elevava os pintores do realismo alemão e depreciava gente como Edward Münch, Egon Schiele e Cézanne. Os trabalhos de Picasso, por exemplo, eram apresentados ao lado de fotos de deficientes físicos e mentais, com a seguinte frase: “Arte degenerada, por judeus e comunistas”. Aliás, Dali, o maior defensor da beleza da Arte como item fundamental em sua manutenção elitista, dizia que a feiúra da mesma era fruto de modernosos ou comunistas-stalinistas (ainda que o respeite, isso mostra desconhecimento histórico, já que quem fomentou o realismo na URSS, foi justamente Stalin). Faça-se justiça: É preferível os proto-historiadores conservadores, que gostem de Arte, dos que as funkeiras atrás de um diploma. Aliás, não há sequer comparação entre essas pessoas. Me desculpem as proto-historiadoras.
Esse exemplo é bastante pungente: Não que essas pessoas legalizem isso ou sejam alucinadas pela forma grega de mundo, mas passam a enxergar beleza somente na sua estética. Um estudante de Arte(s), um pensador ou pesquisador, ou como eu, um produtor de Arte, não pode estar sujeito à essas armadilhas. Elas refletem uma intolerância ideológica bastante forte no século XX, quando a estética passou a ser decisiva como elemento reacionário, justamente contra a modernidade tanto na produção de Arte, como na idealização de mundo. Ninguém poderia diminuir a importância de um Tiepollo, de um Bosch, de um Dührer, mas achar que a construção de beleza é somente o que nos faz bem aos olhos, assim como achar que só pode ser tratado com respeito alguém que pense e aja como nós, é algo infundado para a sociedade democrática. Eu, de minha parte, acho mais beleza em Egon Schiele que em Pollock (talvez ainda atado ao figurativo?), mas não acho um fã de Pollock ou Turner, ou de Mondrian ou Antônio Bendeira uma pessoas sem conhecimento de causa, ignorante ou alienada. Isso é um sentimento, e que passa por todo um processo de experiências estéticas, vivências e construção do mnemônico. Vale pensar nisso antes de atingir as pessoas com tanta virulência e prepotência.
Por fim, vale a ressalva curiosa de quem defende a vanguarda, sem fazer parte dela. Ora, é típico da Arte estar contra o reacionário e ao lado do novo, do revolucionário (Já diriam Gregory Bathcock e Herbert Read). Defender posições conservadoras, direitistas, moralistas (contra os homossexuais por exemplo), não assinar comentários (por medo e por não sustentar o debate), desvalorizar a produção de Arte e a pesquisa numa linha dissonante da sua, é antes de tudo, uma ode ao passado que a Arte quer esquecer: A Arte da elite (belíssima aos olhos, mas inócua à sociedade), defendida por gente que defende o rei e baba pelo príncipe, mas que na corte, não chega nem a bobo.
Fabiano, 15/3/2009.