
Eu escrevo direto no computador, mas gosto da caneta e do papel. Gosto do rabisco. Deves conhecer as minhas manias. Uma delas é, de fato, o alto de número de frases dispersas pelo caderno. E esse caderno fica repleto de anotações, datas, nomes, números de telefone, endereços, dados desconexos e frases dispersas, adornadas por desenhos e pinturas por todos os cantos. Eu gostaria de ser um ser humano melhor, mais sensível e sensato, mas essa é a qualidade que não queria perder em mim: produzir Arte por todo o tempo disponível e possível.
Esse país é muito rico. Por muito tempo, troquei cartas e mais cartas e mais cartas com pessoas de todos os cantos. Todas elas me contavam coisas incríveis sobre o Brasil que eu ainda não tinha visitado. Depois, visitei muitos lugares e uma imensidão de lugares ficou faltando. A maioria, sequer vou conhecer. O Brasil é um continente. Talvez de suseranos (há quem diga que houve o sistema Feudal por aqui), talvez de vassalos (há quem diga que está no nosso DNA), talvez de brasileiros mesmo. Na verdade, o Brasil é lindo por não ter identidade. A nossa antropofagia cultural é extremamente sedutora. O que se chama de identidade brasileira é na verdade, um acúmulo de várias facetas. Isso tudo, compilado pela inteligência de Getúlio Vargas. Foi o Estado Novo e a complicada década de 30 que nos deram o recado: Ou vocês se somam e se tornam uma nação ou não serão nada, perdendo os pedaços pelo tempo. Gilberto Freyre já havia dito tudo isso.
Essa euforia Global de sermos unidos é uma bela arma. Existem dois países e nisso está a grande mão do Governo Lula: O Brasil que come e o Brasil que tem fome. Não há como nega-los. A luta de classes é um sintomático de nossa colonização européia. Os portugueses deixaram bem claro que existiam duas categorias nesse país continental: Uma, construída por eles mesmos; a outra, um misto de negros, índios e brancos pobres. Nisso se desenvolveram nossa agricultura de exportação, nossa fuga de metais, nosso subdesenvolvimento econômico. Com o país repleto de escravos e índios marginalizados, além de brancos pobres famintos, não havia mercado consumidor. Os portugueses trataram de nos manter em estado letárgico na economia. Talvez o nosso marxismo soviético seja fruto de um atraso como um todo. Nossos liberais chegaram muito depois, nossa idéia inicial de democracia quase não veio. Num país tão rico de matéria prima, tão lindo (e eu não me acho ufanista), mas tão pobre e miserável, somente a teoria marxista pode vingar. Capitalismo num país descapitalizado? Precisamos da estatização da economia, do sistema financeiro, das reformas urbana e agrária. Temos de manter a propriedade individual e a privada mínima: Somente pequenos negócios, micro-micro empresas. O restante, negociado pelo Estado. Num país que produz 15% da comida do mundo, deixar que os latifundiários exportem o excedente, enquanto 1/3 da população não faz as três refeições diárias é uma sandice econômica, e um crime ético. A prova de nosso liberalismo burro e de nosso capitalismo entreguista está nesse dado: Enquanto a Vale do Rio Doce é a maior empresa de minérios do mundo e o Itaú Bamerindus está entre os 20 maiores bancos do planeta, nossa descentralização de renda é a 3ª pior, junto a países subdesenvolvidos do continente africano. Contra fatos não há argumentos.
Já dizia Oswald de Andrade: Há muito sol por aí, por todos os cantos. Que dúvidas restam que podemos decretar nossa independência econômica? Estamos sim, atados ao FMI, ao mercado internacional. Mas isso não é impossível de ser feito. Vai nos dar muito trabalho. A Direita brasileira vai rezar por uma quebradeira total no país. Mas não há outra saída. Nossos usineiros, banqueiros e latifundiários são uma prova do sistema ultrapassado que temos, até para o padrão de desenvolvimento capitalista. Até os liberais que clamam por uma democracia de liberdades individuais não toleraram o senado dado à Sarney e a Collor. Nenhuma democracia madura pode tolerar que Ernesto Dornelles, Jarbas Passarinho e Delfin Netto ainda sejam eleitos e reeleitos. Não há explicação lógica para a união entre PT e PP no congresso, para os ministérios dados ao PMDB, para a privatização dos aeroportos em SP. Na verdade não há lógica alguma em nada disso. Habermas estaria possuído de raiva com toda essa política enfadonha. Um senado que deixa sua ética ser respondida por um ex-presidente como Fernando Collor, não está nos levando a sério.
Nós não precisaríamos de nada disso: Jorge Amado, Rubem Valentin, Décio Freitas, Caio Fernando Abreu, Jards Macalé. Temos tudo isso por aqui. Que falta faz a neve? Agüentar a Xuxa promovendo o Helloween é de uma decrepitude sem igual. Agüenta-la como rainha dos baixinhos não tem uma explicação viável. O ministério da Saúde adverte: Xuxa faz mal para o cérebro e para o estômago do seu filho. Ainda bem que coisas como ela, Eliana e Angélica estão mais tempo fora do que no ar.
Só nos resta escutar o novo disco do TSOL: Nada mais californiano. Nossa doce antropofagia cultural. Quem de nós resiste àquela bateria e aqueles climas crus das noites dos anos 80 e 90? Quem sabe, num dia muito quente, uma Coca. Isso não mata, mas também não deve ser hábito. Qualquer pessoa ponderada pode beber uma Coca vez em quando. Talvez um dia eu te escreva para mandar boas novas e dizer que continua calor por aqui. E aí? Sempre neva e é sempre véspera de Natal? Aqui nós suamos e desfrutamos do buraco na camada de ozônio – Quem sabe, com as ressalvas do Século 21, não é esse o sol que tanto nos falava Oswald de Andrade.
Fabiano da Costa, 7 de março de 2009.