quarta-feira, 18 de março de 2009

A beleza e o que ela pode acarretar ideologicamente.

O melhor debate é o debate de Arte. É o mais profundo. Nada o supera. Posso parecer ufanista, mas ele abre guias para quaisquer outras conversações. Gera, como nenhum outro é bem verdade, uma guerra de egos, de opiniões, de posições políticas e ideológicas. Quando é bem sustentado, porém, mesmo que não concorde, gera um prazer enorme em sua oralidade. Alguém consegue não gostar de ver Ferreira Gullar, Décio Pignatari ou Caetano Veloso debatendo Arte?
O Problema é a idéia da beleza. O aceitável é sempre a valorização do objeto que nos parece menos feio. E o que seria beleza? Para os gregos, povo atado à prática dos esportes e do culto à boa alimentação, era se ter curvas perfeitas. Esse ideal, no período da helenização de Roma deu formas definitivas aos deuses da guerra e do Império. Fortemente influenciados pela estética grega, os romanos empreendiam uma campanha de aculturação dos povos dominados. A Língua, a cultura e a aceitação de sua cultura eram sinônimo de beleza. Prova disso, é que como sustenta Ernest Renan em “Origens do Cristianismo”, Jesus Cristo não falava o grego por ser de uma classe baixa na Judéia. A beleza da língua e da cultura helenística não estava acessível aos da classe mais baixa.
Então, como defender o belo? No seu estudo sobre a História das Artes Visuais, “Conceitos fundamentais da História da Arte” Henrich Wölfflin (1915) foi categórico em definir uma primeira etapa entre os lineares e os pictórios. Os lineares surgiram por colocar a linha na construção do objeto, o que mostrava claramente o desenho e a pureza das formas. Os pictórios, especialmente representados por Rembrandt, fizeram a pintura representar a construção das mesmas. A linha não desapareceu, mas se tornou invisível. O objeto real, facilmente assimilado pelo ideal de perfeição fora substituído pela impressão que temos de ver as formas, os movimentos, e nos estudos de cor e sombra, abrir uma porta para o que seriam os impressionistas. Como subverteram a linha, os pictórios inicialmente não foram bem vistos. E hoje? Alguém se atreveria a falar de Rubens?
Foi no Curso de Artes da FURG, que entre os alunos, encontrei o maior ranço de preconceito e conservadorismo “a favor do belo”. Uma traição, de fato, contra a espontaneidade da Arte. Uma horda de conservadores, chegava no curso e na universidade para sustentar o vigente. E pior: Não eram os conservadores como Dali, em busca dos valores greco-romanos e da renascença, mas sim, modelos frustradas, funkeiras desempregadas, pseudo-halterofilistas em busca de alguém para adorar seus músculos. Essa coisa vazia, esse hedonismo sem razão, quase suprimiu toda e qualquer liberdade. Hoje, ao ver a atual discussão entre colegas de curso, reconheço que elas são bem mais produtivas, mais carregadas e fundamentadas (ainda que a grande massa do Curso, seja formada por pessoas que não discutam e nem sequer gostem de Arte). Porém por mais que se tenham boas articulações dialéticas e se copiem textos e mais textos da internet, o preconceito ainda é o mesmo: Beleza é aquilo feito por um grande mestre clássico, enquanto o novo, é subversão. Para legalizar a sua opinião pela internet (por que não debatem no Curso), os neo-gregos deixam de ser atenienses e passam a ser espartanos: A beleza é legalizada pela força, pela onipotência e pela falta de respeito. Isso me faz lembrar algo que esses mesmos “proto-historiadores” de Arte (que “estudam bastante”) não conhecem: A beleza pela conceituação nazista. Em 1938, para divulgar o fim da feiúra na Arte (e isso me lembra a funkeira-mor do Curso, que disse não tolerar “gente feia”), Hitler organizou a Exposição Universal que elevava os pintores do realismo alemão e depreciava gente como Edward Münch, Egon Schiele e Cézanne. Os trabalhos de Picasso, por exemplo, eram apresentados ao lado de fotos de deficientes físicos e mentais, com a seguinte frase: “Arte degenerada, por judeus e comunistas”. Aliás, Dali, o maior defensor da beleza da Arte como item fundamental em sua manutenção elitista, dizia que a feiúra da mesma era fruto de modernosos ou comunistas-stalinistas (ainda que o respeite, isso mostra desconhecimento histórico, já que quem fomentou o realismo na URSS, foi justamente Stalin). Faça-se justiça: É preferível os proto-historiadores conservadores, que gostem de Arte, dos que as funkeiras atrás de um diploma. Aliás, não há sequer comparação entre essas pessoas. Me desculpem as proto-historiadoras.
Esse exemplo é bastante pungente: Não que essas pessoas legalizem isso ou sejam alucinadas pela forma grega de mundo, mas passam a enxergar beleza somente na sua estética. Um estudante de Arte(s), um pensador ou pesquisador, ou como eu, um produtor de Arte, não pode estar sujeito à essas armadilhas. Elas refletem uma intolerância ideológica bastante forte no século XX, quando a estética passou a ser decisiva como elemento reacionário, justamente contra a modernidade tanto na produção de Arte, como na idealização de mundo. Ninguém poderia diminuir a importância de um Tiepollo, de um Bosch, de um Dührer, mas achar que a construção de beleza é somente o que nos faz bem aos olhos, assim como achar que só pode ser tratado com respeito alguém que pense e aja como nós, é algo infundado para a sociedade democrática. Eu, de minha parte, acho mais beleza em Egon Schiele que em Pollock (talvez ainda atado ao figurativo?), mas não acho um fã de Pollock ou Turner, ou de Mondrian ou Antônio Bendeira uma pessoas sem conhecimento de causa, ignorante ou alienada. Isso é um sentimento, e que passa por todo um processo de experiências estéticas, vivências e construção do mnemônico. Vale pensar nisso antes de atingir as pessoas com tanta virulência e prepotência.
Por fim, vale a ressalva curiosa de quem defende a vanguarda, sem fazer parte dela. Ora, é típico da Arte estar contra o reacionário e ao lado do novo, do revolucionário (Já diriam Gregory Bathcock e Herbert Read). Defender posições conservadoras, direitistas, moralistas (contra os homossexuais por exemplo), não assinar comentários (por medo e por não sustentar o debate), desvalorizar a produção de Arte e a pesquisa numa linha dissonante da sua, é antes de tudo, uma ode ao passado que a Arte quer esquecer: A Arte da elite (belíssima aos olhos, mas inócua à sociedade), defendida por gente que defende o rei e baba pelo príncipe, mas que na corte, não chega nem a bobo.
Fabiano, 15/3/2009.

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