
No século XVII, após os espanhóis terem acabado com os índios das Américas, Hegel escreveu que o processo de colonização foi sangrento, porém necessário. Segundo ele, alguém tinha de conduzir a difícil tarefa de “levar a civilização e a liberdade cristã” aos primitivos do Novo Mundo. Hoje, com todo o aparato científico da História, Hegel é veemente criticado, até por alguns admiradores. Afinal, o gesto de exportar o modelo ocidental as “Índias” e com isso sacrificar milhões de indivíduos não passou de um descompromisso com a vida dos mesmos – Somente na Ilha de Hispañiola (Cuba), se calculam em 8 milhões de mortes decorrentes da epidemia de gripe de 1558, trazida pelos espanhóis. Vale lembrar que essa epidemia matou 10.000 europeus, ou seja, ela era fatal até aos indivíduos que já a reconheciam e muito mais aos pobres índios. Mas claro: Valeu a intenção de levar a “liberdade cristã” (a de mercado, é claro).
Com tantos comentários infelizes e confusos (chegou-se a sugestionar que eu preferiria uma colonização espanhola em vez de portuguesa), tive de recorrer a bela obra do artista plástico Leon Ferrari: “A Civilização ocidental e cristã” (1996). Ela é de fato, a melhor resposta a estupidez (completa) de dar palmas a civilização ocidental, até mesmo por que ela foi edificada sobre uma figura originalmente oriental, Jesus Cristo. Sem Cristo, não existiria o sincretismo Católico, muito menos a exportação do modelo civilizado. Haveria outro modelo, mas não esse. É simples: A idéia de civilização é greco-romana, como diz Buckhardt, sugada das ruínas do antigo Império Romano. A fusão dessa grandiosidade com a cristandade, nos deu o modelo europeu renascentista, sustentado pela burguesia ascendente e pela Igreja (leia-se o chamado “mecenato eclesiástico” de Arnold Hauser). Portanto, defender a ocidentalidade é algo confuso. Não existe ocidente, como se entende, sem o oriente. O Cristianismo e o Judaísmo, pedras fundamentais desta metade louca de mundo, são pensamentos orientais. E boa parte do cristianismo advem do zoroastrismo – também, pasmem, oriental! Como saber disso? Ora, é só ler, antes de sair defendendo algo tão estúpido quanto o chamado “Ocidente”. A pergunta que fica é: O que é Ocidente?
Não devemos esquecer: O símbolo do ocidente, é o capitalismo. E não existe por tabela, nada mais atrasado que o capitalismo. A crise econômica que levou milhões a morar em pontes nos últimos dois anos, é a prova disso. Deixar o mercado se regular, sem Estado, é no mínimo, uma sandice. O sistema capitalista é tão atrasado, que os seus maiores defensores correm ao governo nos EUA, solicitando reparações financeiras. A máxima de que o mercado se regula é um embuste. Basta enxergar o que o capitalismo provoca: Grandes contingentes de pessoas sem acesso a educação, saúde, e saneamento. Por isso, os próprios capitalistas já advogam mudanças estruturais, como segurança de crédito, e um sistema de descentralização financeira, levando o capital para países periféricos e os afastando dos trustes econômicos. Isso, há 10 anos atrás, seria impensável e mostra que os próprios capitalistas, estão reconhecendo a insegurança do que criaram. Se isso era a civilização ocidental, logo será encarado por eles mesmos, como barbárie.
Outra coisa: Marx era ocidental. Ainda que usasse o “Modo de produção asiático”, foi esse alemão, que melhor criticou o ocidente ao apontar erros estruturais na sua economia, prever crises econômicas sucessivas e o preço alto que isso sugeriria: a socialização generalizada da miséria. Mas isso, é também, problema de leitura. Se defender o ocidente, a civilização, diante do processo histórico, é não dar veracidade ao relato do Frade Bartolome de Las Casas, quando mesmo atado a cristandade contou ao Rei de Espanha, o que era a chegada ao Novo Mundo: “Usam o estupro e toda forma de coação contra os nativos”. Antes de falar qualquer coisa, é bom ler e ter fundamento. Caso contrário, fica explicito o desamor com quem sofreu, o desrespeito contra quem lê e uma falta de ética com as próprias fontes históricas.
Fabiano, 7 de julho de 2009.
Imagem: "A civilização ocidental e cristã" de Leon Ferrari, escultura em plástico, Argentina, 1996.